Clarice Lispector é caótica em cada sílaba. Das sílabas juntas, palavras, das palavras unidas, frases, é o que consegue ser descrito. Pode ter vislumbres do significado — e sabe lá se mesmo a autora os entendeu? Há um abismo entre cada palavra. Preencha-os com o que você pensa. As palavras dela vem para o seu lado, você os vê, eles dizem: "Decifre-se ou devoro-te".
A história é escrita, feita só de fatos — e sabe por quê? — penso que é como uma defesa do próprio autor. Talvez seja pecado jogar a luz dos holofotes onde a mesma teme (teme?) tocar. Fatos não podem ser negados. Eles estão lá; feche os olhos, jogue-se de bruços. E eles ainda estão lá.
Macabéa, o ponto sujo e inútil que agora se vê, é virgem, feia, burra, inútil, descartável. Um ponto de referência para Escória. Sua imensa pequeneza a fez nascer em si mesma, há outras variedades, há outros níveis, mas só ela é ela mesma; e a idéia de um futuro já lhe torna outra pessoa. Sorriso vago, espectadora de sua vida, e aí chega sua hora de vida, a hora de estrela...
Macabéa não crê em Deus porque não entende, mas reza para ela, como aprendeu, ou só reza, sem saber pra quem. Macabéa não odeia, não se vinga, porque lhe disseram que era ruim. Macabéa mente porque é fácil. E o autor está certo. Ela te prende. Até sinto saudade dela, a escória.
E sabe por quê? A exorbitante pequeneza desta moça, sua inferioridade - esta te cospe na cara — é gritante sem chamar atenção. A whisper trought a megaphone — Macabéa é tremendamente humana pois não é mais nada. Ela não finge, não mente, não se vinga, pois ouviu que não devia. Não odeia, ama, sem lascívia ou intensidade.
Humana. Me perdi na humanidade dela. Quando você olha pro abismo, ele te segura pelo colarinho e te coloca sob correntes. Esse é um livro incompleto pois lhe falta a resposta — quem sou eu é pergunta que causa carência, por isso ela não perguntava. E, quando morreu, foi estrela. De sua própria história. Saída discreta pela porta dos fundos.
E eu posso vê-la na multidão agora. As pessoas não deviam escrever livros tão perigosos, coloquem os livros em ferros. Humanos são presos por suas ações — e humanos são só palavras — grandeza, o infímo, a grandeza, e o infímo, e grandeza, e o infímo. E as estrelas.
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