Republicação seleta (e levemente aperfeiçoada) dos textos de eutenhoumblog.blogger.com.br, blog que mantive dos 16 aos 19 anos, de 2003 a 2006. A ideia é que a repostagem seja na mesma data anterior (dia e mês, apenas dez anos depois). Nos comentários, eu falo do que me lembro da época em que escrevi, e avanço. Pra que o meu eu de então fique contente.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Cold Mountain

Estados Unidos da América, guerra civil. Era o tempo que eles mesmos se encarregavam de tirar os escalpos de alguns ianques. Uma cidade qualquer, Cold Mountain, promove alistamento militar. E é aquela história: homens que se vão e mulheres que ficam esperando. 

Destes que se vão e esperam, temos os protagonistas; poucos encontros, poucas palavras. Juramentos e tal. A premissa vista deste ângulo parece mais velha que o Sílvio Santos, mas o modo que é contada é bastante agradável. 

"Não vou levar um tiro por uma causa em que não acredito", e diversos homens "mandados à batalha com uma bandeira e uma mentira" abandonam o exército pouco antes do fim da guerra; são desertores e devem ser caçados como cachorros. Um desses desertores é um dos protagonistas. A história é ele voltando para Cold Mountain pra reencontrar a amada, e, ao mesmo tempo, a amada pondo sua fazenda de pé depois da morte do pai. 

Isso também parece batido. Eu sei. 

Mas há personagens admiráveis. Ruby. O padre gordo, a velha das cabras — com palavras que deixariam Morpheus de Matrix emocionado, o xerife, o ajudante loiro do xerife, metido à malabarismos. 

Temos diálogos e cenas memoráveis (ou chegam bastante perto de serem memoráveis), o filme não é nada original mas é um puta filme. Uma moça que sentara atrás de mim no cinema cumprimentou a outra por tê-la indicado o filme. "Excelente, excelente", ele dizia. 

Eu ia dizer que é um arroz e feijão com bisteca de porco cinematográfico, mas esse termo não ficou tão bom quanto o de Sobre Meninos e Lobos.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sobre Meninos e Lobos

"Só isso, Eastwood?", e os letreiros começaram a subir. 

Sensação de vazio. Era pra ser um suspense. São dois elementos que levam a trama: primeiro, três garotos que escreviam seu nome no cimento da calçada são interpelados por um par num carro. 
Aparentemente policiais, eles levam um garoto com eles. Quatro dias preso, molestado e tal. Certo. Segundo: garotos crescidos, esposas e filhos, a filha de um deles, de dezenove anos, é assassinada. 

O segundo ponto devia levar a trama, digo, entre aspas, "trama". Porque não leva coisa alguma. É uma revelação aqui e outra lá, montando todo um caso sobre o pai de certo personagem, para trazer no fim um culpado que, dito no filme, não tinha razão alguma. 

E a esposa do policial, que não falava nada no telefone, e no final fala. Só. Sei lá, pode ter havido alguma evolução intelectual e espiritual no policial naquele instante, mas pra mim foi só. 

Vá lá, tenhamos esperança. O segundo ponto foi só para trazer relevância ao primeiro. O importante a se observar é a evolução dos personagens. Um garoto que era, aparentemente, o líder, torna-se policial, um que tinha medo do pai torna-se bandido dos bons, o terceiro, que foi levado, fica sequelado. 

Mas é só isso. Eles nem continuam amigos. Não há uma relação a ser explorada. Os personagens não tem vida, eles são como marionetes: uma pintura interessante a primeira vista e tal, mas não basta. Em suma, o filme começa com quase nada, passa a quase pouca coisa e termina com coisa alguma. Um chiclete cinematográfico. 

Gostei do termo. É meu, copyright 2004: chiclete cinematográfico. E .

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Livros e Gravatas e Batons e Chorumelas

um elemento de Interview With A Vampire sobre Moralidade e Estética

Rapaz, se endireite na mesa. Mãos dobradas, perto do prato, não se levante até que todos acabem. E quando os vizinhos chegarem, sorria. E não me desminta de novo na frente deles. É feio. 

É desse ou daquele jeito que as coisas tem de ser feitas. Estas roupas devem estar dessa maneira, esta cor de pele é feia é aquela não é. 

Um post do Nenê Altro fala sobre tudo rodar em torno do mártir. A coisa feita de um certo modo — a moral, não importa o lado em que ela esteja — é respeitada e de um outro modo não, e quem faz — por exemplo — quem sofre mais, é mais adorado. 

Isso seria moral, ética, o modo como as coisas tem de ser feitas - mas toda moral é estética e a estética é moralista; o mundo do jeito que a pessoa quer que seja, de um jeito ou de outro, os dois lados da moeda são diferentes graças a luz que se aplica, para fotografias melhores. 

Mesmo na Arte, coisa da qual já falei porcamente antes, escritores, pintores, músicos, vá lá, em grande parte, acreditam que a coisa tem de ser feita de certo modo, senão é sacrilégio. Até iconoclastas, revolucionários, punks fazem a coisa seguindo certas normas estéticas, criam uma nova moral pra si mesmos. Ou vira putaria. 

E parece que não dá pra escapar (não?). O homem pega e põe alguns paradigmas na cabeça, e os segue; padrões de existência, ou, simplesmente, não existe. Mesmo que isso deturpe o resto, mesmo que as regras que criou para si mesmo o prendam e o enganem. 

A não ser que ele se autodestrua. Que chegue ao extremo de si mesmo. Que perca a vontade de viver para que possa viver. Que goste do sangue no próprio rosto. Como em Clube da Luta

Ou nenhum dos dois. 

Levando tudo isso ao extremo temos teorias de controle de sociedade e destruição de sociedade, mas não vamos chegar a esse ponto.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Ode ao Carnaval

O Carnaval é momento épico. "Épico" é palavra engrandecedora demais, mas serve bem. É como Copa do Mundo: cada paulista, mineiro ou carioca é brasileiro, e aí então todo brasileiro é patriota. 

O Carnaval é um movimento artístico, aquele que não traí sua essência. Aqui e lá surgem coisas semelhantes, mas Carnaval é Carnaval. É como a Índia e suas vacas sagradas: se morre de fome, mas se mantém a tradição. 

E carros alegóricos maiores, e fantasias melhores, etc. 

E ele conta história, nossa história, quatroscentas e trinta e três vezes no seu tempo de apresentação. O pronome "ele" é coisa pouca, mas aqui cabe bem, até Personifica o Carnaval. 

Carnaval como pessoa. Carnaval, pessoa que dança, pessoa que ri e pessoa que canta. Tantos comas alcoólicos quanto necessários para usar o enfadado estoque de glicose dos hospitais. Tantas novas crianças (em nove meses, lógico) quanto necessárias para encher nossas escolas. 

E, se as crianças são o futuro, o Carnaval enche nossas escolas de Futuro. É praticamente a apoteose do futuro, na celebração do passado: iconoclatas da chatice do presente. 

O Carnaval é tudo isso, e vira cinzas no final. Ele é a Fênix, vai e volta, feito boomerangue. Filósofos de mesa de bar, visionários de esquina e padaria: todo dia é Carnaval no Brasil, e todo Carnaval tem seu fim. 

Assim como o texto, agora e aqui.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Aqui jaz o post de 15.2.04, 12:29 PM, endereçado ao proprietário do Me, Myself And I. Ele morreu atropelado, por um furgão vermelho. Sabe quando se pensa na calçada: "Dá pra atravessar". Então, o post foi, e o post morreu.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Deus Negro, de Nelmar de Barros

O autor nos serve, de início, uma explicação para o título de seu livro. Essa explicação me lembra o final de O Auto da Compadecida, e o meio também. Ele afirma que Deus pode aparecer negro aos racistas, mancando para quem tivera ojeriza dos aleijados e assim por diante. 

Poesias e pensamentos, cada página diz isso; vendo de perto é uma coleção de críticas em forma de poemas ou alguns aforismos - daqueles que pretendem dizer filosofia em três linhas. Há alguns textos interessantes, não digo que não - mas seriam deveras mais atraentes para um religioso. 

Nelmar de Barros se coloca contra o consumismo, parece presar pela família, fala de amor. Sinais de boa pessoa são sinais de uma pessoa próxima a Deus. Demasiadas vezes o argumento é aquele você pode ser assim um dia, com suas variações. Não cospe pra cima que pode cair na sua testa. 

Não gosta do homo automobile, do Batman e Robin (um dos aforismos diz que o autor realmente fez uma coisa estúpida ao criá-los. Eu não imagino por quê), do mecanicismo das relações humanas, de saias curtíssimas (nada a ver com a moral, mas é incoerente com a moral, segundo ele o_O) e nem de intelectuais, que duvida que consigam criar ser como o homem, e só depois de o fazer poderão enterrar Deus (nada de genética no tempo dele, acho).

Fala de livre-arbítrio e escreve um livro com regras de ação. 

Ah, ele também é homofóbico. Coisa curiosa: na página final (que acaba de se desprender do livro agora) ele nos diz que a diferença entre o homem e a mulher não é o sexo, nem a força, nem os pseudo-direitos - e sim a função exercida. Na página anterior, homossexuais são seres irracionais. 

Há um ar prepotente no livro e ele trata as outras religiões como folclore, assim como a maioria dos adeptos da mitologia cristã. E, no final, o golpe de Mestre: o argumento da história "Roupas Novas do Imperador": "se não viu, é burro", em uma de suas variações.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

conclusão de último segundo e antes disso.

Eu odeio pessoas que sabem mais do que eu e que fazem coisas muito maiores do que eu. Bastante, às vezes ou todo o tempo. 

Odeio mesmo. Quê é isso? Uma coisa nojenta? Inveja?

A Dança dos Dias

Eu fui lutar contra alguns dragões do mar. Eles jogavam cartas, indiferentes. Enquanto avançava na direção deles, descobri que nunca soube nadar.

Preconceito Artístico, sim, por favor, e com café

As ideias aqui em minha cabeça, às vezes são como disse Clarice Lispector, batem na testa e retornam. Ficam lá, caídas, com dores nos ombros e pernas cansadas, ideias arqueadas, sem vontade de fazer nada. Aí me aparece uma coisa ou outra em qualquer lugar, e os olhos veem e avisam o resto ("Irmão, olha só isso..."), movimentação em todas as células, e vem um neurônio e chuta a ideia pra fora. 

E ela sai, revigorada, para ser o que sempre foi, enfim. 

Para se compreender o que vou dizer, é preciso ter tido na boca, pelo menos por um instante, o gosto da Arte. Arte tem gosto sim, claro que tem. De café: quente, revigorante, único — e suja os dentes. Vai, é parte importante, o negócio suja os dentes. Arte suja os dentes. 

E o que eu vejo são pessoas que exibem seu trabalho como se comessem, digo, vendessem um pão. Eu acredito, vai saber por quê, que algo que você cria, cria porque faz parte de você. Seus personagens, seus versos, suas palavras: eles são mais unidos a você do que o tecido epitelial. As pessoas não arrancam seus olhos e põe em leilão, não vendem suas lembranças por pães (ainda). 

"É algo que corre pelo sangue", me disseram uma vez, e é verdade; não entendo como alguém pode aceitar ter uma parte de si analisada, embalada e colocada a venda, ao lado dos sucrilhos.
  
Exemplos tupiniquins? Claro, e com café: Charlie Brown Jr. e tantas outras que incessantemente tocam sempre as mesmas três músicas de trabalho, e que amargariam (como amargaram num programa da Globo que não vou citar) o silêncio dos fãs se tentassem tocar uma música dos primeiros álbuns. 

Eu sei como é estar em um palco e sentir como um jukebox qualquer, tocando aquilo que querem que você toque. 

Arte, definitivamente, não é feita para quem se sujeita ao resto do mundo. É o mundo que se sujeita.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

pergunta.

Cá eu tenho uma pergunta ao Acid, que não sei mais visita esse blog. Algum outro responda, se ele não responder e tiver a resposta: quando você foge de um assunto, ele te persegue? ("That what you fear the most could meet you halfway"). Pois vocês discutiram sobre Deus deveras, eu me mantive quieto, ouvindo, vendo o que acontecia, e o que se sucedeu foram um par senão mais de discussões que brotam a minha volta sobre, sabe quem?, Deus, o Criador, o Grande Arquiteto. 

Então? Tenho um assunto preso aos meus calcanhares, ou me observando do subconsciente coletivo?

Dom Casmurro e nada mais

Esse aí, foi, até agora, o melhor livro do Machado de Assis que eu li. É uma história de uma vida, uma vida normal, com começo, meio e fim. É a história do Bento, o tal Casmurro, que queria casar com Capitu, que queria ser padre e não foi. Amigos, negócios, fazendas, seminários, contos. 

E é nas minúncias da história, um canção aqui, um teorema qualquer de um qualquer lá, um modo de falar, um jeito de agir, que a história se torna familiar, e, mesmo acontecendo há alguns séculos, parece passar na sua esquina, agora. A vida, sendo ali, um jogo de interesses, um latifúndio de várias paixões e promessas - algum meio termo desses dois, ou nenhum deles. 

Falando de vida, lembro-me de uma teoria que se passa no texto, e é mais ou menos assim: de que a vida é uma orquestra. O roteiro é de Deus, que o Diabo reaproveitou, e, sem ajuda financeira do primeiro, pôs pra rodar, conseguindo sozinho o necessário. Alguns dizem que os erros, ou quando a orquestra não se encontra, dá até um charme peculiar à obra... 

A análise da vida das pessoas cabe muito bem à nossa, que por mais que mude continua a mesma na estrutura. E a obra é imortal, sim, agora que li, concordo.

Está aí:

Deslinkei o Veríssimos porque o gosto pelo blog caiu. Linkei o Mero Cristianismo, um que eu já pensava em linkar antes, por conta do blog e do site bastante bom que vi há alguns meses, mas acabei linkando depois que o cara me linkou, então ele nunca vai acreditar nisso, e pode até pensar: "olha só, que puxa saco safado".

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Senhor dos Anéis e outras coisas

Não me decido pelo filme ou pelo livro: que venham as mesmas apologias de sempre por parte de leitores (como eu): 'o livro é melhor, mais detalhado'. Mas o tal do Peter Jackson conseguiu colocar na tela de modo vivo rápido, deslumbrante.

Pronto, parei de só elogiar. 

Isso já foi dito, até mesmo no Hobbitcon que fui: mas o filme mostra, por debaixo da fantasia, a igualdade das raças, clama por isso e pela amizade. E não só: o "I'm not man" de uma personagem ao por fim na vida de um dos Nove é um grito feminista (ou cabe muito bem). Só há uma coisa que divide o mundo — a história é maniqueísta, certo, existe, rigidamente, o Bem e o Mal. Não há lugar para um orc recuperado: os orcs são feios, nojentos e tem que morrer. 

E a fantasia, vã e bela; no Hobbitcon (volto a ele, se eu soubesse quem disse, juro que dava créditos. Mas eu havia sentado no chão [lotado] e nem o rosto das pessoas que falavam eu via.) ouvi que nós precisamos da fantasia; desde o momento em que o homem fez a palavra, e descobriu que com isso ele podia criar, ele tomou mão desse poder e criou. 

E cá meto Jesus Cristo de novo: não foi ele que disse que o Reino dos Céus é latifúndio das crianças? E o que elas fazem, se não imaginam e fantasiam? Bem-aventurado seja o episódio de Rugrats em que os bebês largam os brinquedos supertecnológicos e brincam com meras (para os adultos) caixas. 

E nós, presos entre quatro paredes de concreto, precisamos disso, da fantasia. Ela nos diverte, nos alegra, nos faz ter nostalgia e sorrir de nostalgia. 

E deve ser por isso que essas coisas fantásticas resistem ao tempo. Por isso queDom Quixote, em seu próprio mundo, vive tanto. Por conta disso que Monteiro Lobato não morre. É por isso que a História Sem Fim não tem fim e por isso o Peter Pan não envelhece. 

O que segue deve ser verdade, seria legal: uma vez me disseram que eu gostaria de viver em um mundo onde tudo fosse como Final Fantasy e que os maus fossem maus e os bons fossem bons. 

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notas

-> fantasia? vejam Peixe Grande, que deve estrear logo nos cinemas. De Tim Burton.

-> leitura? leiam O Senhor dos Sistemas, do mesmo autor deste blog aqui. Para RPGistas.

-> Senhor dos Anéis? visitem o Conselho Branco.

-> Conselho? bata palmas, assim você revive as fadas que matou, dizendo que elas não existiam.